Contar histórias, como sabemos, é algo essencialmente primordial entre os seres humanos, e o texto de Cavalcanti (2009), “Contar História: Uma História Milenar”, nos propõe uma reflexão em torno de como esse hábito se perpetuou pela história e como vem sendo desenvolvido nos dias atuais.
Com uma linguagem clara e precisa, Cavalcanti (2009), começa sua discussão citando um trecho do poema de Ascenso Ferreira, “Minha Escola”, no qual faz uma crítica a filosofia adotada pela sua escola, citando que era “cheia de grades como prisões”, e que o seu professor era um “mestre carrancudo como um dicionário”, porém, felizmente, ele tinha uma velha que contava belas histórias na calada da noite, causando satisfação e êxtase
Já com o poema de introdução, podemos perceber a intencionalidade em que a autora nos propõe a refletir no decorrer do texto, na qual, devemos, quanto educadores, parar e pensar em qual modelo de individuo queremos formar: um ser crítico e reflexivo, alimentado com o prazer que a leitura pode proporcionar ao estimular a imaginação; ou um ser mecanizado com as leituras puramente sistematizadas pelos conteúdos que pouco despertam o interesse das crianças, como os assuntos dados em sala de aula que não levam em consideração as reais necessidades do universo infantil.
Muito embora, alguns tenham o dom inato do poder da palavra, devemos ter como pressuposto, assim como comenta Cavalcanti, que todos podem ser contadores de histórias. Para isso se faz necessário se doar a magia de contar histórias. É necessário mergulhar no que está sendo contado para criar além do texto e enriquecer a atividade atraindo os ouvintes.
Para Cavalcanti,
[...] O contador de histórias é alguém que possui dentro de si o poder de encantar pessoas pela voz que surge da alma.
O bom contador de histórias é aquele que nasceu guiado por uma infinita capacidade de doação e, por isso, esteja onde estiver, espaço e tempo, ele estará envolto pela magia de contar histórias (CAVALCANTI (2009).
Podemos associar esse trecho do texto ao filme “Coração de Tinta” (Lain Softley, 2008), que conta a história de uma garota (Meggie) que descobre o Don de contar histórias herdado do seu pai (Mortimer Folchart), um restaurador de livros que é apaixonado pelos mesmos, porém não pode ler em voz alta, caso contrário sua leitura dá vida aos personagens, com o preço de algo do mundo real desaparecer em troca daquilo que foi trazido do livro. Devido a isso, em uma de suas leituras, sua esposa e mãe de Meggie, é trocada de realidade com os personagens do livro “Coração de Tinta”. Desde então, Mortimer, não ler mais em voz alta e passa sua vida a procura de alguma edição do livro para tentar trazer sua mulher de volta, assim como mandar de volta para dentro do livro todos os maus feitores que estão aterrorizando a região.
Assistindo o filme é possível perceber a relação entre a leitura convencional e a leitura capaz de transformar e alimentar a imaginação daqueles que ouvem uma história lida com paixão, e o perigo que o poder da palavra poder ocasionar na mentalidade infantil, quando a intencionalidade da leitura foge do seu objetivo.
Voltando ao texto “Contar História: Uma História Milenar”, a autora nos mostra que o contexto histórico dos contadores de histórias é milenar, por isso vasto. “Contar histórias sempre foi uma atitude relacionada ao sagrado e ao profano”, comenta o autor. Antigamente para contar uma história era necessário todo um ritual, seja ele através das narrativas à serem contadas ao redor de fogueiras, simbolizando proteção; ou a beira de um riacho, caracterizando paz, espiritualização ou regeneralização; ou ainda, praticar esse costume de acordo com as estações do ano. Enfim, cada povo tinha sua tradição, sempre com muito respeito ao costume de explanar os contos.
Assim, podemos compreender que o hábito de contar histórias sempre foi um meio de prática social e cultural entre os povos, estimulando suas imaginações e fortalecendo a vontade de tornar seus sonhos em realidade.
Porém, nos dias atuais, com toda globalização e os avanços tecnológicos, como os atrativos televisivos, assim como os jogos eletrônicos e a internet, e o cansaço do dia estressante e exaustivo, estão afastando as famílias do calor das fogueiras, lareiras e calçadas, e dos momentos em partilha, onde a prática da leitura em conjunto não está sendo mais o programa dos fins de noites e dos fins de semana. E assim, a escola ficou com o grande desafio de desenvolver e propagar o prazer de contar histórias pela figura do professor. Profissional este que, também, atormentado por fatores sociais, como baixo salário e pouca valorização, não desempenha o papel mágico de envolver seu aluno na fantasia dos contos, emitindo apenas palavras monótonas que não produzem um efeito significativo, não imprimindo vivacidade e veracidade à cadência da história.
O exposto nos remete ao texto de Delia Lerner (2002), “É possível Ler na Escola?”, que explora essa indagação de forma minuciosa, provocando reflexões a cerca do papel da leitura no ambiente escolar. Em um dos seus trechos ela menciona que “ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar para compreendê-la melhor, é se distanciar do texto e assumir uma postura crítica frente ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...” Podemos perceber que Lerner, assim como Cavalcanti, comungam da mesma ideia, ou seja, que a leitura é a grande prática de ascensão psicológica e cognitiva de qualquer individuo.
Sobre o objetivo da leitura na escola, Lerner diz que,
“antes de mais nada, a leitura na escola é um objeto de ensino. Para que se transforme num objeto de aprendizagem, é necessário que tenha sentido do ponto de vista do aluno, o que significa – entre outras coisas – que deve cumprir uma função para a realização de um propósito que ele conhece e valoriza. (LERNER, 2002)”
Ainda, para Lerner, “todo o tratamento que a escola faz da leitura é fictício, começando ela imposição de uma única interpretação possível.”
Desta forma, podemos perceber que Lerner, quanto Cavalcanti, propõem que a escola estabeleça como propósito para a leitura algo que priorize a necessidade do aluno, partindo do próprio ponto de vista do mesmo, ou seja, que o individuo possa interiorizar o conhecimento já intrínseco do seu mundo. Como também é importante que os educandos possam explorar as mais diversificadas formas de interpretar uma história, isto é, criando possibilidades e estímulos imaginativos. Para isso, é de fundamental importância que o professor possa abrir o universo dos seus alunos para diferentes narrativas, com temas como a vida e a morte, nossa origem e a humanidade, além de mitos. Também é de grande relevância usar gestos expressivos, como imitação de vozes e movimentos com as mãos. Tornando assim, o hábito da leitura um momento de aprendizagem prazeroso, envolvente e, sobretudo, permanente.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTI, Joana. Caminhos da literatura infantojuvenil: Dinâmicas e vivências na ação pedagógica. Edições Paulus. 2009.
LERNER, Délia. Ler e escrever na escola, o possível e o necessário. Porto Alegre. 2002.
CORAÇÃO de tinta (INKHEART). Produção de Softley Lain. Alemanha / Reino Unido / EUA: PlayArte, 2008.
2 comentários:
muito bem! e ainda há quem diga que não se vê nada interessante em blogs, né? :)
Muito bom...gostei de ler
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