segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pensar para causar...


Apure os sentidos... Sinta a brisa que levemente acaricia seu rosto...
Permita-se escutar os sons ao seu redor... Aprecie o ar que respira... Veja as pessoas que circulam ao seu redor... Perceba a natureza em todo o seu esplendor...

Estas seriam as primeiras palavras que iria proferir se tivesse que dar a um grupo de alunos alguma orientação no sentido de ensinar-lhes como pensar ou, ainda, de que modo podem se articular e realizar em suas vidas (ainda que pense, em meu íntimo, que há vários fatores que conduzem uma pessoa a atingir à necessária altivez, destemor e presença de espírito para que possa se pronunciar ao mundo, dizer por que veio a esta Terra).

Penso ser inconcebível o livre pensar sem a sensibilidade, a possibilidade de perceber tudo o que está ao nosso redor: a natureza, as pessoas, as construções, os odores, os sabores...

Mas o quanto nos permitimos esta sensibilidade nos dias de hoje, fechados como estamos em nossas casas, casulos protetores que nos isolam dos pingos da chuva, da corrida em campos de terra, do cheiro do mato, das árvores em que temos que algum dia subir, das águas de rios e mares em que devemos nos molhar e nadar?

Nossos filhos, por conta do medo que sentimos de nós mesmos, seres humanos, vivem diante de monitores (de TV, de computadores, de videogames), escondidos em seus quartos, criando conexões pela web, aprendendo com a babá eletrônica e pouco ou nada se atrevendo a trilhar os caminhos do mundo, singrar os mares, escalar montanhas...

Alimentar a alma, o corpo e a mente passa por experiências que não estamos nos permitindo viver, pelo contato direto, no encontro com a vida. Pode parecer discurso de livros de autoajuda ou mesmo relacionados a algum tipo de culto ou caminho espiritual... Não é... Os filósofos antigos já advogavam a necessidade da experiência concreta, que é aquilo que realmente elucida, explica, permite a compreensão inicial e desencadeia os processos reflexivos.

É claro que não é possível crescer apenas a partir deste mais do que necessário pontapé inicial dado com as experiências diversas que temos que acumular ao longo de nossas vidas. É preciso também buscar apoio nas pessoas – familiares, amigos, professores, colegas de trabalho e até mesmo no contato com desconhecidos (é claro que com algum cuidado e bom senso para evitar acidentes de percurso!).

Ao vivo e em cores, como costumamos dizer, é certamente muito mais intenso e passível de gerar saberes do que mediado pelas tecnologias. Não que com isto possamos abrir mão de tudo aquilo que estamos compondo como elementos de comunicação e interação, em especial as redes concebidas através da Internet. Também constituem recursos de valor, que certamente não podem ser deixados de lado e que prestam serviços que podem repercutir para o nosso pensar.

O que não pode ocorrer é nos tornarmos cibercidadãos apenas, ou seja, avatares o tempo todo, interagindo apenas a partir de nossos lares e bases eletrônicas ou, então, dando mais espaço e ênfase a este universo do que ao mundo real. Usemos a tecnologia e seus variados recursos a partir daquilo que realmente são, única e tão somente, ferramentas e nada mais.

As tecnologias são meios e não fins em si mesmas, mas temos nos entregue de tal forma à sua manipulação e uso que, pessoalmente, temo pelas novas gerações, não apenas quanto a sua liberdade de pensamento, quanto a sua altivez, presença de espírito, capacidade de ação e reação, sentimentos, interação, paixão pela vida...

O primordial é sempre o contato com as outras pessoas, sem intermediários... Como nem sempre é possível, criaram-se recursos que nos permitem criar conexão até mesmo com quem já não está por aqui ou ainda com pessoas que vivem muito longe (não apenas fisicamente, mas também social, cultural, política e economicamente). Mas que as crianças e jovens deste mundo conectado se deem conta que há vida e recursos extrainternet, como os livros, as músicas, os filmes, o teatro, a filosofia, as ciências, as artes plásticas, o esporte, a dança...

Artistas, escritores, pensadores, dançarinos, atletas, cineastas e tantas pessoas que realizam produções culturais e científicas, acadêmicas e políticas, só para sintetizar, também nos falam através de suas produções. Palavras, pinturas, celuloide, movimentos, gols, letras, lírica e canções podem dizer muito para nós...

O quanto já aprendi com Monet, Debret, Disney, Chaplin, Mandela, Gandhi, Pontecorvo, Machado, Cervantes e tantos outros grandes mestres através de suas ações e produções? É incomensurável tal conhecimento.

Assim como é impossível avaliar como alguns mestres que passaram por minha vida me incutiram não apenas saberes prontos e acabados, como muitos ainda pensam deve ser o papel da escola, mas principalmente estimularam a dúvida, a curiosidade, em trilha infinita pelo saber, por aquilo que ainda não conhecemos, em busca do que nos intriga e nos faz refletir... Sem dúvida alguma, os grandes educadores que conheci tinham esta postura, de não acomodação e, ademais, não apenas professores eram, também exerciam outras profissões e, sempre demonstraram prazer nesta busca e na socialização de suas dúvidas e das respostas que foram encontrando...

Pensar para causar passa necessariamente por vários caminhos, que felizmente não são iguais e sim diversos, pois a cada um de nós é permitida uma experiência única, sem igual. É certo, no entanto, que para chegar às respostas (ainda que não definitivas) encontradas ao longo de nossas existências, temos que contar com a nossa sensibilidade, com o apoio de outras pessoas, com a dúvida e a curiosidade que alimentam nossos espíritos e nos faz seguir adiante e, ainda, com as ferramentas que criamos desde que surgimos neste planeta...

E causar para quê? Por nossa glória pessoal? Por dinheiro? Por projeção profissional? Por conforto material? É claro que seria por demais falso deixar de admitir que tudo isto movimenta as pessoas e as fazem seguir em frente. Mas não é por estes fatores, de base mais imediata e materialista, que realmente buscamos o conhecimento, desenvolvemos a nossa capacidade de pensar... Assim o fazemos porque somos seres humanos, aptos a tal exercício e ação, sempre movidos pelo desejo da superação, da realização e, em especial, da felicidade (não apenas individual, mas grupal, coletiva, social!).

Causar, neste caso, por mais dignidade, justiça social, ética, saúde, liberdade, paz, amor e alegria (afinal de contas, bom humor é fundamental, não é mesmo?).


João Luís de Almeida Machado. Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

1 comentários:

Nath Ataíde disse...

Um selo pra você: http://ultimaafolha.blogspot.com/2010/06/mais-um-selo-obrigada-ao-efeito.html

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